quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

AMOR PLATÔNICO

 

Me recordo de quando tinha 16 anos. Me encantei por uma magrela alta do teatro. Me recordo de desenvolver um sentimento sozinho, é o tal do “amor platônico”, aquele que só se desenvolve na sua cabeça.

Quando ela passava, eu prestava atenção, e as vezes abaixava a cabeça para que ela não se desse conta de que eu estava olhando. Havia ali uma certa de vergonha de admitir que eu gostava. A real é que todo mundo percebia, meu olhar era revelador, meu sorriso bobo ao vê-la era maior ainda, e cada vez que eu falava dela meus olhos brilhavam.

Eu tentava esconder, e era impossível, não havia como não notar. Eu sentia ciúmes quando um menino se aproximava dela, ficava sem reação quando ela me notava. Imaginava que cada movimento dela era pra de alguma forma falar comigo.

Me recordo de passar uns 2 anos nesse processo, pode parecer bobagem, mas eu era ingênuo, o sentimento era ingênuo. Existia uma inocência, o sonho de um beijo não realizado. O sonho de um querer mais que bem querer, que se concretasse em algo recíproco.

Não havia experiencia, traumas, nem sequer uma fadiga emocional que me fizesse desistir. Eu passava ao lado dela esperando ser notado, escrevia poemas que me faziam sentir artista, imergi em uma melancolia de algo não completado, de uma saudade de algo que não foi vivido.

Depois de 22 anos é saboroso notar aquele jovem, te digo de certo modo que tenho orgulho do seu genuíno sentimento e de sua capacidade de se iludir com o nada. Ele não sabia ser prático, ele só queria o amor recíproco. Ele não via regras, não analisava os motivos que o fariam sofrer, ou a forma como as relações se desgastariam com o tempo.

Esse jovem não previa um futuro incerto, não pensava quem ou o que tinha a garota, ele só a admirava e queria estar próximo, ele só queria compartilhar da sua companhia, queria escutá-la, ouvir seus anseios, a fazer rir, e se possível beija-la e ter seu coração disparado a 200km.

Não havia maldade, não havia preocupações sexuais, havia música. Havia a poesia das músicas que embalavam um possível romance, era a trilha sonora de algo não convertido. Não existia filhos, ex relações, não havia carga emocional da experiencia. Havia a simples felicidade de estar vivo só pela presença da outra pessoa.

Me recordo de guardar seu cheiro, de memorizar seus gostos favoritos. Me lembro de propositalmente lhe entregar músicas que tinham a ver com ela, mesmo que na minha cabeça tinham a ver com a gente. E em algum momento ela perceberia, ela notaria que o universo havia escrito uma sinfonia que ela não tinha prestado atenção.

E ela? Ela não olhava, não escutava, e não sentia o mesmo cheiro, não memorizava nada, porque na realidade, seus pensamentos estavam em outro mundo, seguiam em “Nárnia”. Seus pensamentos voavam do lado inverso ao do romance perfeito. Ela seguia por olhar o que não servia, insistia em provar o que não lhe fazia feliz, insistia na busca incessante do desconhecido, enquanto alguém tão perto a poderia fazê-la sorrir e brilhar como nunca.

Essa era a ideia, esse era o sentimento que tomava conta da cabeça, essa era a ilusão criada, a viagem platônica do ser não reconhecido, do sentimento não vivido, da inocência não compartilhada. Os sorrisos e os olhares que se completavam, talvez fossem obra daquilo que nunca se pudesse enxergar.

Ali não havia dor, só havia amor, só havia música, movimentos simples de uma valsa tão bem orquestrada, onde os passos se uniam de tal forma que só se permitiam completar, a conexão era insana, seria impossível não notar. E quem poderia?

Captar a simplicidade da vida exige um olhar ingênuo, entender o que de verdade faz seu coração vibrar, é o que faz da vida o descobrimento mais delicioso que existe. Conseguir ter seu olhar refletido no outro, lugar esse onde: olhos, boca e coração se conectam, é único. E não passa todo dia, e seu enredo é difícil de parar e seu nó, difícil de desatar. Há uma ansiedade que não cessa, uma paixão que arde sem se ver, e uma incerteza dentro de uma certeza. Era lindo, simples, poético e finamente real.

Afinal, é platônico, ou não é?!

 

Ale

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